Por meio do esporte, Anderson Rosa superou as limitações da paralisia cerebral

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Imagem: Reprodução do Instagram @andersondarosaoliveira

Quem vê Anderson Rosa, 27 anos, pode não acreditar em tudo que ele é capaz de fazer por meio do esporte por conta da paralisia cerebral. Hoje, instrutor de capoeira, ele já fez dança de rua e participou de 21 competições de fisiculturismo.

Em decorrência de um erro médico, o parto que não poderia ser normal acabou sendo tardio e forçado, gerando complicações e causando uma falta de oxigênio no cérebro de Anderson, resultando numa deficiência neurológica diagnosticada como paralisia cerebral mista.

E então começou a luta na vida de Anderson, nascido em Santo Ângelo, Rio Grande do Sul. Aos 8 meses ele já iniciava uma série de tratamentos e acompanhamentos, como fisioterapia, hidroterapia, fonoaudióloga, psicóloga e etc. “Desde pequeno ele teve força de vontade e nunca desistiu dos seus sonhos”, afirma Rosângela da Rosa, mãe do paratleta.

Com o passar do tempo foi sendo possível notar a evolução. A fala veio aproximadamente aos 2 anos de idade e aos 4 ele começava a se locomover sozinho, “Eu nunca quis usar cadeira de rodas, eu me locomovia na posição dos quatro apoios, ou minha mãe me carregava no colo. Até que um dia, um vereador cadeirante chegou na casa da minha avó, me viu no chão e quis me fazer um bem me doando uma cadeira, mas logo comecei a andar, com 11 anos e meio”, relata Anderson.

A rotina dele já pedia dedicação e responsabilidades desde a infância, conciliando escola, as idas a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais) e o seu primeiro hobbie, que foi o teatro. Começando com 6 anos e mantendo até os 9, idade em que despertou em Anderson o interesse pela dança, “O amor pela dança começou vendo os grupos de Hip Hop da minha cidade, e tinha um primo que dançava, pra mim era o máximo. Quando comecei a caminhar ele vinha em casa me ensinar alguns passos”, relembra ele.

Anderson começou como espectador nos festivais, e depois de entrar no grupo de dança da escola, foi ele quem passou a ser premiado. Se dedicando durante os três anos de colegial, ele participou do festival da cidade, “Santo Ângelo em dança” em mais de uma edição, levando prêmios de 2º lugar, 3º lugar, e bailarino revelação, “No primeiro momento, quando entrei pro grupo de danças, foi um espanto geral, mas depois passou. E o coreógrafo não me tratou com diferença, eu fazia o mesmo que os outros”. Depois de concluir o ensino médio, ele permaneceu na dança, e como artista solo chegou a ganhar em 2º lugar do mesmo festival. “Faz anos q não subo em um palco para dançar, só danço por prazer mesmo, quem já dançou não consegue parar completamente”, afirmou.

Já a paixão pelo esporte foi a que começou mais cedo, aos 4 anos, permanecendo até hoje, “Foi assistindo a um filme que eu conheci a Capoeira, e naquele momento eu decidi que era o que eu queria fazer quando começasse a andar. Várias pessoas diziam que eu não iria conseguir, mas após cerca de 6 meses que eu havia dado meu primeiro passo, abriu um projeto social na minha cidade, e tinha capoeira. Me inscrevi, conheci o Mestre Vladimir Farias e contei minha história. Ganhei uma bolsa e pratico até hoje, inclusive me tornei instrutor no projeto Mais Educação e atualmente dou aula para todas as idades”, conta Anderson.

“O início do Anderson na Capoeira foi para mim e para outras pessoas um momento de novas descobertas. Fácil eu posso garantir que não foi, mas ele dificilmente faltava às aulas e sempre chegava muito determinado e com um sorriso contagiante”, conta o Mestre de capoeira, Vladimir Farias. “Não fizemos nenhum tipo de adaptação, ele treinava tudo e com todos. É assim que funciona, todo mundo treina junto, e a capoeira abraça todos”, afirma o Mestre de capoeira e também educador físico, de 49 anos.

De acordo com o Mestre, a família teve um papel extremamente importante, acreditando e apoiando desde o início todas as atividades realizadas pelo aluno, “Eu nunca vi o Anderson se queixar, não lembro de escutar ele reclamar. Ele estava ocupado com seus objetivos, ele não deixava espaço para frustações, ele ocupava esse espaço com sucesso e superação”.

Mas Anderson não parou na capoeira, e foi na musculação que ele ficou mais conhecido, “Sempre tive vontade de começar a treinar, de ser musculoso. Eu falava com conhecidos que já treinavam, mas nunca dava certo, até que no início de 2016, meu Mestre me falou que um amigo dele precisava fazer um TCC sobre inclusão no esporte, se eu toparia. E eu disse que sim, aceitei participar, e na mesma semana me inscrevi na academia e comecei a treinar”.

“Conheci o Anderson em 2015 e pude acompanhar suas incursões no street dance, teatro, capoeira, e musculação, onde se tornou ícone. Suas maiores dificuldades estão ligadas à locomoção, em razão do seu problema neurológico, mas isso ele supera com garra, é uma pessoa que se mantém sempre ativa”, revela Carlos Roberto Fontoura, treinador do atleta.

Cerca de um ano depois de começar a treinar musculação, beirando os 24 anos, Anderson recebeu um convite do seu treinador: participar de um evento de fisiculturismo, “Estreantes”, em Novo Hamburgo. “A capoeira, uma atividade em que o praticante joga com o corpo, deu a ele destreza e percepção espacial. Toda esta bagagem ele transferiu para a vida e para prática do fisiculturismo, esporte que o projetou no Brasil e América do Sul, quando participou do sul-americano, em Buenos Aires, Argentina. Seu vídeo de participação no Estreantes Gaúcho 2017 já superou os seis milhões de visualizações ao redor do mundo, no Instagram do ídolo Ulisses World”, conta Carlos, que é Bacharel em Educação Física pela URI (Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões”.

Acumula hoje 21 participações em eventos de fisiculturismo, experiências que foram de grande valor para Anderson “Pude ver que meus esforços estavam sendo reconhecidos, e além disso, estava ajudando outras pessoas que se espelhavam em mim. Conseguir abrir mais oportunidades para pessoas com deficiência”.

A rotina de treinos de um paratleta precisa de maiores atenções e cuidados, principalmente na hora de estruturar as sequências de exercícios, “Esta é a parte mais delicada. Devido a sua paralisia cerebral mista, é necessário fazer adaptações em quase todos os exercícios. De qualquer maneira, sentimos imensa satisfação nesse acompanhamento justamente por fugir do que se poderia chamar de indexado e descobrir novas oportunidades de movimento. O próprio atleta já se adequa às posturas mais favoráveis para ter um melhor desempenho”, explica seu treinador.

O personal trainer Pablo Antônio Gomes dos Santos, pós graduado pela Unifesp em exercício no tratamento de doenças crônicas e associadas, acredita que no esporte tudo é possível de ser alcançado e superado, “No treinamento realizado de forma linear e progressiva, os ganhos com a mobilidade e consciência corporal são garantidos pela insistência e perseverança. O atleta que tem certa paralisia, somando a força de vontade com o foco que deseja, e uma equipe a ajudá-lo consegue superar seus limites”.

Além do cuidado com o treino, o cuidado com a saúde também precisa ser acompanhado de perto, “O primeiro cuidado é com a saúde geral, em questão de peso, alimentação, exames gerais, o uso de medicamentos e etc. Outro cuidado é com relação a rotina do atleta, que envolve uma boa alimentação, exames regulares para acompanhar o coração. Também pode ser necessário o acompanhamento de um ortopedista, para evitar lesões, e de um fisioterapeuta, para atuar de forma preventiva. Mas a rotina desse atleta é parecida com a de qualquer outro atleta, de treinos, descanso, alimentação, planejamento e disciplina”, afirma Alessandra Freitas Russo, Neurologista da Infância e da adolescência, Pós graduada em Neurofisiologia clínica no Instituto de Psiquiatria (USP).

O fisioterapeuta José Alves Filho, pós graduado em Treinamento de força da saúde ao alto rendimento pela USP, confirma a necessidade de um acompanhamento a esses atletas com necessidades especiais, “Um cuidado maior deve ser tomado, visando os padrões de movimento e garantindo o máximo de desempenho perante sua condição. Uma vez que seu quadro clínico necessita de uma equipe multidisciplinar, o acompanhamento com fisioterapeuta é indicado para garantir total eficiência do atleta em seu esporte”.

O fisioterapeuta é capacitado para avaliar disfunções motoras, como falta de força muscular, flexibilidade e até distúrbios ao caminhar, “Trabalhamos essas disfunções com exercícios específicos para o objetivo desse atleta, incluindo força, músculos, flexibilidade e até mesmo equilíbrio e gestos motores semelhantes aqueles que ele vai usar em dias de competição”, diz José Alves, formado em fisioterapia em 2012.

Anderson, porém, fez fisioterapia até os 19 anos, “A Fisioterapia é um trabalho especializado e que coloca a pessoa no “eixo”, quando ela necessita desse tipo de ajuda. No caso do paratleta Anderson da Rosa Oliveira, houve essa intervenção inicial, não exatamente de resgate de habilidades motoras finas e amplas, mas de dar a ele as condições que lhe possibilitassem explorar essas percepções. A posteriori, conquistada essa etapa, houve uma transferência para as AVDs (atividades da vida diária), e o esporte assumiu o papel de base e aprimoramento dessas conquistas”, explica Carlos Roberto, que acompanha o atleta.

De acordo com Anderson, nas suas preparações, ele só conta com a ajuda do seu treinador e também aprende bastante na internet, pesquisando e estudando conforme a sua genética. Com relação a sua alimentação, ele também diz não fazer acompanhamento com nutricionista, “Eu consumo bastante proteína, e como meu metabolismo é muito acelerado, não corto carboidratos”.

“De uma forma geral, a alimentação de um atleta com paralisia deve ser igual à de qualquer outro atleta, cumprindo o que está dentro dos princípios de uma alimentação saudável e bem equilibrada. No entanto, em vários casos de paralisia existem alguns problemas que precisam de mais atenção, podendo ser necessário proceder com algumas adaptações e mudanças a nível alimentar. Os problemas mais frequentes e relevantes são a dificuldades de mastigação e/ou deglutição e a disfagia”, explica a nutricionista Ana Tereza Pereira de Melo, formada pela Estácio, em Teresina.

Rosângela da Rosa sempre acompanhou de perto a evolução do filho, e fala disso com grande orgulho, “Muitas pessoas desacreditavam da capacidade dele, mas ele nunca desistiu das suas metas. Hoje com todo o esforço e determinação, ele concluiu o ensino médio sem reprovar nem um ano sequer, é monitor de capoeira, fisiculturista e um grande homem”.

“Tudo na minha vida demorou muito mais, por exemplo comer sozinho, ir ao banheiro sozinho, tomar banho sozinho e etc. Mas a cada dia, semana, anos que se passavam eu tinha uma nova vitória. E o esporte me ajudou no comando motor, equilíbrio, na resistência e na saúde mental também. Nunca dei muita atenção para opinião dos outros, acho que é um dos segredos para superar obstáculos e conquistar metas”, relata Anderson.

Nossa matéria também está disponível no Viva Bem, da Uol.

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