Maratonista que carregou a Tocha Olímpica Rio 2016 conta em detalhes sua história de superação

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Pablo após terminar a maratona
Crédito da foto: Reprodução/Facebook oficial do Pablo Antônio Gomes dos Santos

Por Luiz Guilherme

Com 34 anos, o maratonista Pablo Antônio dos Santos já participou de 10 São Silvestres e ganhou mais de 20 corridas na carreira

O corredor 944 nunca foi o que chamamos de privilegiado, berço de ouro ou predestinado. Ultramaratonista, preparador físico, profissional de educação física, técnico em administração e ex- militar.

Pablo Antônio Gomes dos Santos, 34 anos, tem um site, Facebook e canal do YouTube, o Corredor 944. Espera um pouco que eu já te conto o motivo de esse ser o nome.

Entrevistar o Pablo foi como conversar com um professor universitário, ele domina os assuntos, tem argumentos e o seu inconformismo com a sociedade atual é claro.

Infância

Natural da Bahia, mudou- se para Campinas com 6 anos. Perguntei a ele sobre a época de escola, mudança de cidade e suas memórias:

— Minha infância teve poucos momentos legais, principalmente no ponto de vista social. Eu moro no Jardim Itatiaia há 28 anos, como eu e minha mãe somos nordestinos, jeito de falar, costume, roupa era tudo diferente. Fazer amizade, ser tratado com respeito, segurança, era tudo muito complicado.

—Minha mãe sempre quis que eu não fizesse amizade com as crianças do bairro, seja por medo ou má influência, eu morava na periferia dos anos 90. Fugir de problemas era impossível, todo dia era um tormento, uma baguncinha.

—Evitar a vida errada, fugir da droga, fugir do crime era o nosso desafio, eu escapei de poucas e boas.

Em 2015, 11.403 adolescentes de 10 a 19 anos foram assassinados no Brasil, dos quais 10.480 eram meninos. No mesmo período, na Síria, um total de 7.607 meninos morreram, a maioria em decorrência da guerra.

A primeira escola do Pablo foi a E. E. Professora Cecilia Pereira, ele frequentou o colégio por duas semanas.

—Minha mãe me deixou matriculado por duas semanas e me tirou. Eu entrei na escola e fui agredido.

Perguntei o motivo da agressão, se era bullying, preconceito, ou alguma coisa que ele tinha falado:

—Não, não foi bullying, foi crueldade mesmo, sem motivo nenhum. Pior que o racismo ou bullying é a crueldade das pessoas, as crianças eram cruéis.

—Crueldade a gente via com pai, mãe, irmão. A gente sobrevivia todo santo dia.

Hoje chamamos de bullying, naquela época era brincadeira entre amigos, brincadeiras que deixam marcas no corpo e na mente.

De acordo com o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes aproximadamente 1 em cada 10 estudantes é vítima frequente de bullying nas escolas.

—Aquela criança que vai para a rua e só vê crueldade, vai para a escola e desconta essa raiva em quem ele quer. Quem não é violento, como eu, acaba sofrendo. Você que é mais tranquilo e não revida, acaba apanhando.

—Eu estava vivendo em um lugar conturbado e eu não conseguia me acostumar.

—Eu tive uma educação, minha mãe conseguiu isso graças a Deus, mas poderia ter sido muito melhor, poderia ter sido menos estressante podia ser menos conturbado, até mais tranquilo para que eu pudesse raciocinar melhor, para o que o pudesse me desenvolver.

—Hoje eu me pergunto como as pessoas mais velhas vendo tudo aquilo não faziam nada. Eu sou professor, quando vejo que um aluno está se excedendo logo controlo a situação, converso com o coordenador. Eu penso nisso, e se mais pessoas agissem dessa forma, eu e muitas crianças não teriam sofrido tanto.

Adolescência

Em 2001, Pablo ficou sabendo de um projeto da igreja universal, que vendia doces por valores significativos, você pagava o valor que quisesse.

— Com 16 anos já estava vendendo doces, eu participei do projeto e tomei gosto, vendia nos ônibus de Campinas, mas não dava muito dinheiro eu tinha que dar a maior parte para a igreja e não ganhava muita coisa. Comecei a vender os meus doces na Vila Orozimbo Maia, e ganhava bem até, quase 100 reais por semana.

Mesmo satisfeito com o salário, Pablo sabia que não ia fazer aquilo por muito tempo e em 2004, parou de vender doces. Arrumou vários empregos, mas nada fixo, fosse por condição de trabalho, empregos temporários ou demissão sem
justa causa.

— O ponto de virada começa quando eu arrumo um bico para limpar apartamentos vazios para uma imobiliária. Eu estava limpando uma casa quando ouvi no rádio que o exército estava oferecendo cursos gratuitos, o requisito era o alistamento.

— Em agosto de 2004 eu estava servindo o quartel em Sumaré, meu número de identificação era o 944. O salário era baixíssimo, R$100,00 por mês.

—Eu ganhava isso em uma semana como vendedor, mas não me arrependo, aprendi muito no exército. Foi lá que desenvolvi minha disciplina, aprendi a fazer alongamento, calistenia e por causa desses treinamentos que eu consegui ser maratonista.

Anos terríveis

Pablo serviu o exército por 1 ano, estava desempregado e sem dinheiro. Já que estava em Sumaré arrumou um emprego por lá mesmo, mas nada saiu como planejado, essa época ele chama de anos terríveis.

—Eu vendia crédito, precisava de clientes, bater metas. Naquela época, dezenas de empresas faziam a mesma coisa, eu fiquei lá por 6 meses, o sistema é cruel, não bati as metas e me demitiram.

—Eu quase tive depressão nessa época, uma decepção total, por que era mais um lugar, mais uma vez eu tentei fazer o meu melhor e não conseguia me superar, não conseguia ficar mais de um ano em um emprego.

—Voltei pra Campinas e arrumei um emprego de atendente no call center.

Fiquei lá por 3 anos, estabilidade financeira? Ótimo, só que tinha o fator psicológico, e no telemarketing da telefônica tivemos vários problemas, procedimento ruim, limitação técnica, ordens toscas.

—O número de xingamentos, reclamações que a gente ouvia sem necessidade era absurdo, isso gerou um acumulo tão grande de estresse, fora as metas que você tinha que bater, os tempos de pausas que eram ridículos, almoço de 15 minutos era o que a gente tinha por dia.

— Lá só tinha punição, elogios as vezes, e o que a gente ganhava? Bombom ou uma cartinha se alcançássemos as metas. Mas desculpa, mas o bombom não pagava o Rivotril que você tinha que comprar no final do mês.

Primeira corrida

Depois de ter passado pelo exército, os exercícios viraram rotina na vida do Pablo, a descarga de endorfina estava lá, a vontade de treinar já se tornará habitual, e o corredor 944 só precisava de um motivo para virar atleta.

—Em 2006 eu fiz minha primeira corrida, e o prazer foi muito forte, eu senti que aquilo podia fazer parte do meu estilo de vida.

—Escolhi corrida por que era barato, eu já fazia musculação na época, mas por falta de dinheiro tive que sair da academia. A corrida é um esporte democrático eu treino no parque desde 2007 e tomei gosto também

—As primeiras corridas eu não fui bem, admito, eu estava totalmente despreparado, corria de kichute, joelho doía, tinha que me preparar, o problema é que ninguém estava disposto a ajudar, nem treinar junto, então eu mandei todo mundo ir para aquele lugar e aprendi sozinho, lendo, vendo vídeo, ninguém me dava bom dia nessa cidade.

Graduação

Tentando ingressar na faculdade desde 2007 os próximos dois anos do ultramaratonista foram de trabalho durante a manhã, treino à tarde e curso profissionalizante a noite. Depois de três anos e várias decepções no Enem, Pablo se convenceu que em 2009 faria a sua última tentativa.

—Em 2009 eu já estava formado no curso técnico de administração e já tinha
até ganho corrida, uma delas no parque ecológico de Campinas e nesse ano eu
falei agora vai!

Pablo tinha razão, agora vai. O Enem desse ano tinha redação, era a 1ª vez, nota máxima 1000 e o Corredor 944 tirou 800 assim conquistando a bolsa para entrar na faculdade.

Nesse mesmo ano, 2009, Pablo faria a sua primeira participação na São Silvestre e um detalhe, a empresa não o liberou para correr. Pablo ficou tão inconformado que pediu demissão.

—Em março de 2010, desempregado, comecei a faculdade de educação física, mas eu não ficava parado não, fazia um monte de bico, de segurança de balada a empacotador e assim fui levando a vida.

Tocha olímpica


—Em 2012 a tocha olímpica passou em Campinas, eu estava indo para o trabalho e vi uma multidão e um cara segurando uma a tocha. Eu olhei para aquilo e falei. “Eu vou fazer isso aqui, eu vou ser condutor dessa tocha”.

—Eu comecei a pensar como eu ia conseguir carregar aquilo, seria impossível, um jovem negro de periferia participar disso, ninguém me conhecia.

Pablo não seria mais o mesmo depois daquele dia, rotina, regularidade de treino, alimentação, e os pensamentos de como chamar a atenção, conseguir votos e ser escolhido o consumiam. Durante 4 anos ele guardou esse segredo.

—Eu percebi que para ser escolhido eu tinha que fazer alguma coisa extraordinária, entrar para o guiness ou ganhar uma corrida. Ganhar corrida naquela época estava muito complicado, estudo, trabalho consumiam mais da metade do meu dia.

Pablo foi surpreendido com a notícia que a próxima olimpíada seria no Rio de Janeiro, coincidência, sorte ou destino.

—Foi aí que eu tive a ideia de carregar uma barra de ferro na são silvestre por 42 quilômetros eu já tinha feito 15, por que não 42. Ninguém fez isso, depois da corrida eu apareci em um monte de reportagem.


—Eu falava para todo mundo que era superação, homenagem aos soldados, mas na verdade era um objetivo muito especifico, Tocha Olímpica, Guiness Book.

Como um homem desconhecido, estudante de educação física da periferia de Campinas poderia sonhar em segurar o ícone da maior competição esportiva do mundo, como imaginar um ato tão grandioso.

Em 2013 o atleta tinha que participar de grandes eventos, vencer e se destacar.

Ele procurou algumas corridas como a Bravus e a Spartan Race, corridas de
resistência que exigem muito do atleta.

—Eu lembro que dia um colega de treino comentou comigo que recebeu um spam dizendo que estava participando da eleição para carregar a tocha olímpica.

—Eu fiquei inconformado por que ele não acreditou que era verdade, como assim zoando. O meu colega não acreditou que era verdade. Mas o que me deixou com mais raiva é que ninguém lembrava de mim, mesmo me destacando.

—O pior é que eu pedi para ser indicado. Uma coisa é você pedir para ser indicado, outra é te indicarem de forma espontânea. Mas eu tinha um sonho e não ia desistir.

O tempo passava e ninguém o indicava, nem os amigos, nem no quartel, nem os seguidores do facebook e o tempo estava passando.

—O ano era 2015, eu já estava desesperado. Comecei a ir em todos os lugares que trabalhei, fui nas academias, na igreja, fui onde eu treinava, e consegui ao todo 19 indicações que me puseram para um dos pré-selecionados, fiz os testes e fui confirmado como um dos transportadores da tocha olímpica rio 2016.

Pablo percorreu um trajeto de 20 quilômetros com a tocha que ficou com ele de presente como recordação, um troféu que ele guarda e que nem ele acredita que seja verdade.

—Às vezes eu olhos as fotos, as gravações e não acredito que isso aconteceu, isso me tira o sono, eu não acredito que isso aconteceu.

Hoje ele dá aulas de educação física, é preparador físico todos os finais de semana, trabalha e treina no parque ecológico e sempre tira um tempo para ultrapassar mais uma barreira.

Perguntei a ele sobre alguma meta não alcançada. Depois de participar de praticamente todos os grandes eventos de corrida do Brasil, Volta da Pampulha, São Silvestre, Meia Maratona Internacional do Rio de Janeiro queria saber o que mais esse homem queria:

—Ganhar uma São Silvestre a edição 100ª ou 101ª, participar do Spartan Race em Dallas no Texas, vencer o Ironman Florianópolis
na área acadêmica fazer uma pós-graduação e claro o mestrado. Trabalhar com o que ama, administrar um grupo de corrida que mudou a vida de centenas de pessoas, e ainda ter tempo para gravar vídeos com dicas de preparação física no Youtube, Pablo com 34 anos já deixou um legado com várias lições de vida.

Esse texto é uma parte da história do corredor 944, ele mostra que perseguir um sonho e acreditar mesmo que pareça impossível já vale a pena. Afinal, a gente só sabe se vai conseguir se tentar. Vou terminar com aquele ditado que parece clichê, mas que se encaixa perfeitamente nesta história, nunca desista dos seus sonhos.

44 COMENTÁRIOS

  1. Lindo!!! Orgulhosa de você Pablo!! A vida é feita de aprendizado e superação e você pilotou a sua vida muito bem! Parabéns e gratidão por compartilhar sua história! Sucesso!!!!

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